Brinquedo Popular Brasileiro

 

Brinquedos que moram nos sonhos - o brinquedo popular brasileiro

 

"...

Incessantemente falam de negócios.
Contos, contos, contos de réis saem das bocas
circulam pela sala em revoada
forram as paredes, turvam o céu claro,
perturbando meu brinquedo de pedrinhas
que vale muito mais"

Os Grandes - Carlos Drummond de Andrade

 

Sou um fotógrafo apaixonado por arte-popular, especialmente pelo segmento dos brinquedos. Desde os meus 20 anos (hoje tenho 66) e no exercício da profissão, eu viajava bastante pelo interior de diversos Estados e aproveitava para pesquisar e conhecer os artistas populares das cidadezinhas. Por anos e décadas continuei a adquirir os brinquedos com o único propósito de trazer alegria para a decoração dos ambientes de minha casa e estúdio de fotografia. Quando, no início de 2010, Emanoel Araújo esteve em minha casa e conheceu a coleção, ficou encantado e decretou: vou expor a tua coleção no Museu Afro Brasil. Argumentei que a coleção era muito particular, incompleta e exclusivamente constituída por objetos de meu interesse pessoal - só tinha brinquedos de menino. De fato, não tinha casinhas, nem mobília, nem bonecas e nem outros tantos itens que fazem parte do universo infantil feminino. Então ele "ordenou": complete a tua coleção!

Por coincidência, eu estava itinerando com a minha exposição de fotografias "Pérolas Imperfeitas" pela maioria dos estados do Nordeste. Aproveitei essas viagens para preencher as lacunas, conhecer novos artistas populares, adquirir peças de maiores dimensões, enfim, aumentar e enriquecer a coleção.

A partir da inauguração oficial, em Novembro de 2011, no Museu Afro Brasil de São Paulo, onde permaneceu em cartaz por 8 meses, a coleção iniciou o seu movimento. Em Agosto de 2012 foi montada na 22ª Bienal do Livro de São Paulo e agora está sendo apresentada em Salvador, aqui no Museu de Arte da Bahia. A seguir irá itinerar por outras capitais e talvez outros países, para, dentro de 2 anos, se estabelecer numa sede fixa, quando deixará de ser uma coleção viajante ou um museu de sonhos, para se tornar o Museu do Brinquedo Popular.

Para mim tem sido de imensa felicidade constatar que, o que começou apenas como um gosto pessoal, tem esse extraordinário poder de encantamento para as pessoas. Não importa o nível social, econômico ou cultural; a faixa etária ou a cidade, o estado ou o país de origem; todos são imensamente tocados pelo brinquedo popular. Seja por reminiscências da infância, seja pela consciência do seu valor enquanto cultura popular, seja pela curiosidade em conhecer manifestações em estado puro da alma do povo brasileiro, seja pela beleza plástica e cromática, seja pela percepção da presença do gênio criativo, o fato é que absolutamente ninguém passa indiferente diante dos brinquedos populares. Para as nossas crianças de hoje então; que só conhecem os jogos eletrônicos, as bonecas-que-fazem-tudo, os controles remotos e os computadores; é uma descoberta e um deslumbramento. Elas simplesmente ficam enlouquecidas. Não bastasse isto, tenho recebido telefonemas, emails e cartas (!) elogiando e agradecendo a possibilidade de ter visto a exposição, e também convites de instituições de outros estados e de outros países, que gostariam de acolher a coleção.

Mas afinal, o que define um objeto como brinquedo popular? Antes de mais nada, trata-se de um manufaturado que, tendo sido produzido em escala artesanal, tem uma finalidade utilitária: brincar. Quase sempre é o produto da conjugação entre a pobreza material e a vontade de levar felicidade a uma criança, aliada a uma plasticidade e a uma inteligência criativa que muitas vezes pode beirar a genialidade. De um modo geral, o brinquedo popular pode se originar de três fontes: algum artesão numa pequena linha de produção; parentes, amigos, vizinhos ou a própria criança que será a usuária do brinquedo ou um artista popular que, com a sua inventividade e maestria, imprime a sua marca criativa pessoal em cada um dos brinquedos que produz. Nesta coleção vamos encontrar brinquedos que se originaram de todas essas fontes e, dentro dela, também muitas peças que alcançam o patamar da genialidade.

Desfrutem enquanto é tempo, pois com o avanço da globalização, que nos está conduzindo à uma inevitável homogeneização cultural, e também com a oferta, por todo os cantos do pais, de toda sorte de brinquedos industrializados (quase sempre importados da China, a preços impossíveis de competir), os criadores dos brinquedos populares estão em franco processo de desmotivação e este universo, que já está em declínio, poderá entrar em rápida extinção. Felizmente, algumas secretarias estaduais e municipais, notadamente de alguns estados do Nordeste, já estão articulando programas com o objetivo de evitar esta irreparável perda cultural. Uma luz no fim do túnel mas, por enquanto, uma gota no oceano.

David Glat
Colecionador

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